Decifrando o vocabulário "queer"?
Após assistir à série "We Are Who We Are" achei interessante postar conceitos bem utilizados por aí mas que realmente necessitam de uma luz...
Aproveitei a quarentena e a vida covidiana para assistir pela segunda vez a série “WE ARE WHO WE ARE” do Luca Guadagnino. É um vício neurótico que eu tenho de rever filmes, séries e reler livros que gosto. Para ter mesmo uma nova memorização.
Na série, Fraser (Jack Dylan Grazer), garotão homoafetivo - estiloso, de cabelinhos descoloridos - e Caitlin (Jordan Kristine Seamon) - em início de transição para garoto trans, travam um embate romântico que traduz o título da série e suas torrente de significantes - “SOMOS QUEM SOMOS” . Dois adolescentes numa base militar norte-americana perto de Veneza. Jack criado pela mãe miltar lésbica, tem crises de ansiedade, sente-se deslocado, um patinho-feio… mas rapidamente tudo muda pois a não só a morte ronda a base (os rapazes são enviados para o Afeganistão sem treinamento e a perda de amigos é natural) como também as escolhas e oportunidades causticantes da adolescência para temperar a as decisões de cada um. Uma situação e cheiro de luto no ar na base militar, uma narrativa como uma espécie de alternância entre êxtase contemplativo e erupções voyeuristas permeiam cada um dos oito episódios.
Gosto que a série no seu início já propõe “RIGHT HERE RIGHT NOW” como fio condutor do desenrolar das coisas… um horizonte poético que captura um instante que importa e se reafirma na missiva da vida covidiana - só que estamos antes… bem antes do mundo Covid nessa série.
Fico conectado com a imagem sensual de fazer a barba que o Luca Guadagnino já explorou no “CALL ME BY YOUR NAME” com o Timothée Chalamet e na série amplia-se mais ainda numa cena “GENDER BENDER” onde Fraser barbeia Caitlin.
Fraser e Caitlin são cúmplices dessa preciosa busca pela identidade de gênero.
Tem sensualidade e sexualidade nesse ato. Fazer a barba. Extremamente masculino.
A série faz alusão forte a Walt Whitman mas no Episódio 3 nossos dois protagonistas discutem o valor da poesia em suas vidas. Nada mal quando Fraser menciona Ocean Vuong - autor do livro “Night Sky With Exit Wounds” (In the body, where everything has a price, / I was a beggar,” - lido em alta voz por ele). Na verdade Fraser procura por significantes em tudo que faz e pensa. Caitlin ainda pertence a um mundo efêmero de fast-food, xampú… e contrabando de combustível como ajudante do pai militar corrupto.
Temos ainda outro autor mencionado num empréstimo de livros. Jonathan Littell, “The Kindly Ones”. Certamente um dos maiores e mais perturbadores livros que eu já li.
A questão de gênero ainda transborda no episódio do Cabo-de-Guerra onde o militar Richard julga a relação homoafetiva da mãe de Fraser, Sarah Wilson (Chloë Sevigny - excelente no papel) do ponto de vista da hierarquia heteronormativa - para ele, uma trabalha como homem e a outra cuida da casa como mulher… não tem como funcionar de outra forma. Uma posição que ouço na clínica!
Mesmo a série se perdendo um pouco na poesia do último episódio, temos uma bela cena de amizade e conexão para o grand-finale. Recomendo muito assistir. Mas agora…
Vamos lá pessoal, decifrando e nomeando o vocabulário que fala-se e escreve-se mas se confunde muito!
Lá na década de 1990, GLS era uma “sigla” que definia espaços, serviços e eventos para a comunidade gay. Uma vez me afirmaram que era GAYS + LÉSBICAS E SUSPEITOS. Não… o S e é de SIMPATIZANTES. Mas vejam… GLS é uma sigla excludente e ignora outras orientações sexuais e identidades de gênero. Então, a Associação Brasileira LGBT (ABGLT) atualizou a nomenclatura para LGBT, para representar Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros. Com o tempo novas letras, como Q e I, surgiram e encontramos por aê LGBT+ para representar “todes”.
Sabiam que a ONU usa a sigla LGBTI? I de Intersexual! Explico: quase uma em cada 2 mil pessoas nasce com variações na anatomia reprodutiva ou sexual, ou tem um padrão de cromossomo que não se encaixa com o que é normalmente considerado “masculino ou feminino”. Tais indivíduos são “intersexuais” – olha o “I” em LGBTI – e podem se identificar como homem, mulher ou nenhum dos dois. Junto com pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transexuais, as pessoas intersexuais estão lutando em muitos lugares por reconhecimento, igualdade e seus direitos humanos.
Essas letras abrigam termos importantes! Mas temos alguns conceitos profundos para decifrar: expressão de gênero, a tal orientação sexual, sexualidade e identidade de gênero!
EXPRESSÃO DE GÊNERO: é o jeitão que o indivíduo manifesta sua identidade em todos os lugares. Desde roupas até modo de falar não importand o SEXO BIOLÓGICO.
ORIENTAÇÃO SEXUAL: opa opa… aqui dá confusão! Explico – aqui estamos falando de DESEJO. Escolha objetal. Pode rolar na infância ou na adolescência. Aqui é onde rola o bullying na Escola - por exemplo quando o amiguinho acha o professor mais interessante que a professora… tem um jeito diferente de se expressar que vai contra o vetor heteronormativo e assim vai.
SEXUALIDADE: genética binária pessoal… é como o ser-humaninho nasceu: masculino, feminino ou intersexual… ou alien e tá tudo bem!
Pra fechar – a IDENTIDADE DE GÊNERO: é mega-importante pois é a forma que o sujeito se entende, se enxerga inserido no âmbito social.
A partir daqui, se estiver esclarecido para vcs vamos para as definições na sigla LGBT+. Apesar de que o I já expliquei lá no alto. E vamos de listinha obsessiva okay? De A a Z. P
AGÊNERO: aquele que tem identidade de gênero neutra. “Eita” como assim? Sim, isso mesmo. O sujeito não é assexuado biológicamente e exteriormente mostra ausência total do gênero em geral ou identidade de gênero nula. Uma vez conheci um sujeito que até hoje não sei o gênero. Deveria ter perguntado? Não, não era meu direito.
ANDRÓGENO: é a pessoa cuja expressão de gênero transita entre os dois polos, homem e mulher. David Bowie e Tilda Swinton são belo exemplo disso. o andrógeno usa roupas, corte de cabelo e acessórios considerados unissex ou transita entre duas possibilidades bem marcadas – masculino ou femino!
ASSEXUAL: aquele que não possui desejos sexuais. E que coisa chata né? Ops… derrapei, estou julgando…
BISSEXUAL: uma pessoa que sente atração por homens e mulheres. “Tantufaz” – digamos que numa festa pós-covid é uma vantagem pois com certeza vai ficar com alguém.
CROSSDRESSER: vem do fetiche de um homem se vestir como mulher. O crossdresser usa roupas do gênero oposto, mas não são modificações permanentes. Pode gostar ou não de mulheres… pode ser hétero entendem? É FETICHE!
DRAG QUEEN e DRAG KING: refere-se ao indivíduo que se monta de acordo com o gênero oposto para performances artísticas. Sim existem DRAG KINGS!
GAY: homem que sente atração sexual/afetiva por outros homens. Jura? Essa todo mundo sabe!
GÊNERO FLUIDO: pessoa que é ou se entende como mulher em algum momento da vida, homem em outro, e transita por outras identidades de gênero. Percebem que interessante? Transição identitária
CISGÊNERO: é quando a identidade de gênero do sujeito está de acordo com a identidade de gênero socialmente atribuída ao seu sexo.
INTERSEXUAL: como expliquei acima, no parágrafo da ONU, o termo substitui a palavra “hermafrodita” e define a pessoa que tem características sexuais femininas e masculinas – ou mais masculinas e menos femininas ou ao contrário. É conexão com a aparência REAL da genitália e aparelho reprodutor.
LÉSBICA: mulher que sente atração sexual/afetiva por outras mulheres. Adoro quando erram e falam LéBISca na TV.
NÃO BINÁRIO: o sujeito sente que seu gênero está além ou entre homem e mulher e pode defini-lo com outro nome e de maneira totalmente diferente. Que menu não é? Butler ajuda muito a entender esse mundão!
PANSEXUAL: atração sexual, romântica, onirica por qualquer sexo ou identidade de gênero. Não vale dizer que gosta de se esfregar em árvore okay?
QUEER: essa palavra significa estranho e sempre foi usada como ofensa a pessoas LGBT+. Mas a comunidade LGBT+ se apropriou do termo e hoje é uma forma de designar todos que não se encaixam na “heterocisnormatividade”, que é a imposição compulsória da heterossexualidade e da cisgeneridade. Fabrice Bourlez tem um livraço sobre QUEER PSYCHANALYSE e é uma clínica fabulosa e contemporânea. Recentemente Tilda Swinton declarou-se QUEER.
REPLICANTE: é o sujeito fabricado pela Tyrell Corporation… geralmente fortes e mais humanos que humanos. Cinéfilo que sou, não perderia a oportunidade dde fazer meu caro leitor rir um pouco! Hahaha! :)
TRAVESTI: pessoas que nasceram no gênero masculino, mas se enxergam pertencentes ao gênero feminino, porém NÃO reivindicam a identidade “Mulher”.
TRANSEXUAL/TRANSGÊNERO: um sujeito que se opõe, que TRANSgride, TRANScende, TRANSforma a ideologia heterocisnormativa imposta socialmente. Esse sujeito assume uma identidade oposta ao gênero que nasceu, sente-se pertencente ao gênero oposto do nascimento. É uma identidade ligada ao psiquismo e não apenas a um eventual e ou marcante repúdio do físico do nascimento pois nestes casos pode haver ou não uma mudança fisiológica para adequação com o tempo. É uma decisão importantíssima. A Patricia Gherovici tem um trabalho excepcional no livro “TRANSGENDER PSYCHOANLYSIS”. Recomendo muito.
Enfim… a ideia era postar algo útil por aqui.
Espero ter ajudado!
Muito bom o texto, adoraria ver a série, mas não tem na Netflix né? O vocabulário também é ótimo para aprendermos todas as nomenclaturas.