“É dos carecas que elas gostam mais?”
Recentemente um paciente careca trouxe à clínica sua “falta de telha”. Como fica a calvície na Psicanálise?
Em 2017 assumi o look “cabeça raspada”. Tenho perdido cabelos desde 1990. Ainda tenho muitos folículos dos lados e atrás. Mas sentia que esse estilo não me agradava… meio que tiozão. Portanto decidi ficar careca sempre que posso e dá tempo.
Uma brincadeira que faço é comprar xampú na farmácia quando estou sem um fio de cabelo. O ou a atendente sempre dá um sorrisinho… Claro que ele ou ela pensa — “por que esse cliente está comprando isso?”. Eu geralmente brinco… — “é para limpar a olesidade e evitar coceira ou descamação…!”. Segue-se um — “ah, puxa… olha só… careca usa xampú…”.
“Pois é, usa sim!”
Recentemente, um paciente meu trouxe como grande queixa a Alopécia. Esse problema é uma condição caracterizada por uma repentina perda de cabelo do couro cabeludo mas pode ocorrer em outras partes do corpo (…poderia ser nas minhas costas, agradeceria). Óbviamente, os cabelos despencam em grandes quantidades em determinados locais — resultado já sabemos: aparece grande área do couro cabeludo ou da pele que antes era coberta por pelos!
Claro que existe tratamento e precisa-se descobrir a causa. Na maioria dos casos a Alopécia é tratada com o uso de medicamentos que são aplicados diretamente no local afetado e que devem ser recomendados por um dermatologista.
O paciente foi numa dermatologista e descobriu que sua Alopécia é Androgenética. Ou seja, é a conhecida calvície, causada por fatores genéticos, associados à taxa de testosterona na corrente sanguínea, e por isso é muito mais frequente nos homens. Exatamente a mesma que eu tenho!
Ele fez vários exames e verificações em consultório. Não apresentava micose no couro cabeludo; não abusou de medicamentos; tem um estresse relativamente “normal” para a época que vivemos; não tem nenhuma doença auto-imune como Lúpus eritematoso sistêmico e nem doenças como hipotireoidismo, hipertireoidismo ou sífilis! Alguns tipos de câncer também podem favorecer a Alopécia, como o câncer de pele — mas não era seu caso.
Muito mais importante que tudo isso é exatamente o sofrimento que a crescente e rápida calvície causou nesse sujeito. Levantamos juntos quatro fantasmas que o assombravam. Só lembrando caro leitor que a minha careca é daquelas que brilham e apesar do espelhamento de sintomas no corpo, em nenhum momento o paciente me reconhece pela fala como careca! Nem mencionava… até recentemente.
Fantasma 1
“Tenho a sensação desconfortável de perder controle sobre meu corpo.”
Juntos percebemos que os cabelos são uma parte do corpo facilmente manipulável mas que sai do controle e não dá para esconder. É também uma moldura para o rosto que pode receber corte, cor, crescer e cair. Tem linguagem corporal aqui, claro. Mas é na verdade uma característica nossa, que pode ser remediada. Implantes, cirurgia ou o uso de algum fármaco por toda a vida — Finasterida — pode ajudar. Tanto a cirurgia quanto a ingestão de remédios foi descartada pelo desconforto e gastos financeitos excessivos.
Fantasma 2
“Sexualmente me acho menos atrativo!”
Acho que temos um imaginário aqui completamente FURADO e que atualmente nem merece discussão. Vamos lá… vários atores usam e abusam do “look” careca! É quase uma marca registrada do Bruce Willis, por exemplo e ou… Omar Sy (com aquele sorrisão)… ou o Mark Strong (que já usou a Alopécia tanto como vilão ou como herói).
Então, nas sessões que se seguiram, fomos lembrando e relembrando de todos os figurões do cinema, séries da televisão… até mulheres carecas surgiram (quem lembra da Persis Khambatta como Ilia no primeiro Star Trek para o cinema?). Até o Stanley Tucci surgiu do nada… e quem diria, descubro que Sean Connery sempe foi bem careca e usava uma peruca na época do James Bond (li isso uma matéria do L’OBS, uma revista francesa).
— “Não me parece que estes ícones do cinema são vistos como sexualmente não atrativos… você não acha? Pense nisso!”.
E assim terminamos uma das sessões.
Numa outra sessão, o vilanismo do careca entrou em foco. Chegamos à conclusão que quando estamos falando de cinema os cabelos ou a ausência deles personifica impulsos imorais. Sim — na maioria dos casos o careca é o vilão, ou um malvado favorito como o Gru. É como se a humanidade e bondade estivessem atreladas aos pelos… Tem cabelo é bom sujeito. Não tem é mal. Ficar careca é um gatilho para a maldade mas por um outro lado, policiais carecas também estão no cinema e séries na Netflix e Amazon Prime. Mas policial careca às vezes é exatamente o imoral, o corrupto… E como se não bastasse, uma alta voltagem cerebral conectada simbólicamente a grande inteligência poderia aniquilar os cabelos. Podemos até lembrar também de Sansão que perde sua força após ter as madeixas cortadas. Nos Estados Unidos existe uma linha de cosméticos para cabelos masculinos chamada Samson’s Hair Care (uma sacada interessante). Fala-se muito sobre os carecas. Que privilégio!

Terminamos a sessão rindo muito! Podemos ser extras em filmes depois da pandemia!
Fantasma 3
“Mas e a discriminação no trabalho? Como fica?”
Bom, esse fantasma é preocupante. Esse grande Outro, essa empresa que discrimina uma pessoa sem cabelo provavelmente é um local “micado” (usamos este significante várias vezes). Até comentei sobre o PODER e RIQUEZA de Jeff Beezos, o CEO da Amazon. Mas foi uma sessão difícil exatamente pela teimosia em se vitimar do analisando. Mas ele sozinho chegou à conclusão de que não perderia tempo num local onde ser careca fosse um problema, para o Outro e para ele. Óbviamente ele não poderá protagonizar um anúncio da Pantene mas temos tantas oportunidades a desfrutar não é?
Fantasma 4
“É dos carecas que elas gostam mais?”
Sim, foi uma pergunta do analisando. “Cliché… touché!”
Não só elas como eles… TODES podem gostar de carecas! Careca barbudo tatuado no filme pornô, heroínas-afro incríveis de Wakanda… caro leitor, vale tudo nesse mundão! E que boa notícia — “vale tudo sim!”. Todos os visuais tem sua possibilidade de beleza e atratividade sexual. Basta assumir sua respectiva tribo e seus códigos.
Bem, agora esse analisando entrou para a galeria de carecas e assim deve desenvolver uma blindagem às piadas e brincadeiras que nós, os carecas escutamos por aê. Por exemplo:
“a função dos cabelos é fazer fotossíntese e alimentar o cérebro”
“o que é um piolho na cabeça de um careca?”
“Um sem-terra”
“Entre dois carecas qual é o mais careca?”
“O que tiver maior cabeça!”
Finalizando essa queixa mas não as sessões, o paciente decidiu enfrentar e assumir a careca. Mas trazer piadas e mêmes foi a coroação dos sintomas como “grandes bobagens” (palavras do analisando). Elaborou o luto dos cabelos perdidos, negando e se isolando, demonstrando raiva e indignação, barganhando novas possibilidades, ficando chateado e aborrecido para depois aceitar-se e através da criação de um nova versão 2.0 de seu visual mover-se para uma posição mais confortável com a possibilidade de ser diferente do que era. E isso é um privilégio… SER DIFERENTE DO QUE ERA.
Eu passei exatamente por todas estas fases! Mas não contei para ele.
Vi nesta semana que a web pirou com um post que dizia algo estarrecedor: “Príncipe William é o careca mais sexy do mundo”.
Não, não e… não é! Ou sei lá, para a família dele talvez. Eu fico na minha, lustrando a minha careca como bola de boliche e caçando piadas de carecas para trocar pelo Whatsapp com meu paciente. Assim riremos bastante nas próximas sessões! E se você caro leitor souber de piadas de carecas, envie para mim por favor?
Também vi pelo Facebook uma imagem de um cartaz de rua interesante sobre novas versões da gente, sobre ser diferente e adorei! O cartazete dizia: “se você está cansado de ser feio faça uma tatuagem — você continuará feio, mas com estilo!”. Estilo é TUDO DE BOM! Parafraseando, se você está cansado de ser careca, faça uma tatuagem — você continuará careca, mas com estilo!