"Eu podia estar roubando... mas estou não só roubando como também trapaceando... e vivendo muito bem"
A NETFLIX trouxe em fevereiro um documentário muito interessante sobre um grande canalha que aplicou muito golpes financeiros milionários - "O Golpista do Tinder". Um perverso notável!
Caro leitor que adora e é praticante da Psicanálise como eu — se você ainda não assistiu ao “O Golpista do Tinder”, corra lá na NETFLIX e divirta-se. Além do documentário ser muito bem feito e editado, mostra um rapazinho franzino, quase um “hobbit”, vestido dos pés a cabeça de roupas de grife praticando atos perversos via Tinder e vivendo uma vida que nós mortais nem imaginamos.
Simon Liev, o tal golpista, ou Shimon Yehuda Hayut é daqueles caras espertos, safados, inteligentes, maquiavélicos, manipuladores e maliciosos que muita gente vai classificar como psicótico mas se engana - ele é um perverso. Daqueles que não vão até a clínica, nem deitam no divã. Não enxergam uma demanda por tratamento ou ajuda. Mas quando vão, o psicanalista precisa estar atento…
Vou usar o nome real desse grande vilão da web e da vida construída no limite do Metaverso — Shimon, que descobriu talvez sozinho, o quanto é fácil criar uma vida virtual e assim enganar os outros e claro dilapidar o patrimônio alheio sem dó a despeito da dor alheia.
É impossível não ter pena das três vítimas apresentadas mas acho interessante caro leitor que você observe Pernilla Sjöholm, Cecilie Fjellhøy e Ayleen Charlotte por outro ângulo. Estas garotas foram vítimas do próprio desejo e assim, devem ser reponsabilizadas ou responsabilizarem-se de alguma forma pelas escolhas — pelas afinidades eletivas sintomáticas do tal MATCH. Sabem aquela coisa de quem procura acha? Pois é, elas foram presas fáceis para um chacal perverso, que através das fotinhos da tal vida glamurosa conseguiu envolver as belas presas numa teia grudenta e financeira. Momento em que o “Grafo do Desejo do Lacan” dá um belo curto-circuito pulsional… risos

O enigma é que as três moças são muito bonitas. Acredito que não seria tão difícil estarem à míngua do desejo num sábado à noite por exemplo. Muito menos estarem vilipendiadas por não pertencerem à cartografia da beleza feminina instagramável. Mas o interessante é a que a vida milionária do Shimon foi o fator inicial de atratividade. E não sua beleza — que aliás, ele não entrega!

Reparem ao assistir que ele não dá o MATCH — ele aguarda a garota dar o MATCH no Tinder. Então ele examina a vítima rapidamente e o simbólico casulo começa a ser produzido. Interessante o golpe ensaiado, de dar inveja à Patricia Highsmith e seu “O Talentoso Mr. Ripley”. O golpe se repete, é rápido — o enredo é amplo, várias mulheres envolvidas entre fronteiras e viagens. Trocas de nomes, empréstimos, cartões de crédito estourados e um vai e volta de ordens de pagamentos e documentos digitais falsos que nos demonstra um talento para dilapidar um Outro escravo do desejo do perverso.

Entramos no que interessa - Shimon é um belo exemplo de estutura perversa!
Ele se vinga de tudo e todos para sobreviver através de rituais específicos — atrair, seduzir, encantar, envolver, dilapidar e sumir (inventando um história sórdida de perseguição e ameaças) — os processos psíquicos e seus sintomas são altamente erotizados. Para este sujeito, alguém precisa ser sacrificado, reduzido ao estado de objetificação, manipulado e expelido logo depois em troca de novo objeto. Pobres belas moças…
Claro que aconteceu algo com o Shimon em algum momento de sua vida o que causou o desenvolvimento e predominância desta estrutura — a denegação total a qualquer lei imposta… Uma clivagem traumática? Não faço ideia mas fantasio aqui, um grande amor não correspondido, humilhações, condição financeira precária, investimentos em objetos empobrecidos. Então, num momento oportuno o jovem Shimon olha-se no espelho e diz “Eu posso ser e fazer o que desejar…!”. O perverso faz do seu desejo a LEI — e se apoia nela para chegar num EU IDEAL infantilizado, um herói miliardário que ataca as bases da sociedade a qual pertence. Um “kamikaze do amor” genial que produz sem nenhuma compaixão cenários ilusórios de grande fragilidade capaz de movimentar-se por fronteiras européias como um agente secreto. Escrevo “kamikaze” pois ele sabe do risco de ser pego e preso — de ter sua narrativa aniquilada por seu atos. E vejam, ele é preso pela Interpol, mas não pelos crimes financeiros mas sim por ter entrado na Grécia com passaporte falso.
Vale à pena comentar ainda sobre a histeria das três garotas. Calma pessoal, estou falando de estrutura… Na clínica penso que o melhor MATCH é sempre entre neuróticos e histéricas, histéricos e neuróticas… Neuróticos e histéricos e assim vai… e não vamos entrar na disforia de gêneros pois não é o assunto hoje. No caso do documentário — um perverso sempre vai deitar e rolar sobre o desejo de uma histérica. E exatamente aí está a troca volátil de sintomas. Se uma das três fosse obsessivamente neurótica teria desconfiado da boa sorte logo de início. Teria pesquisado MUITO sobre o Shimon… Afinal roer ideias é o “hobby” preferido de neuróticos. Até por imagens pode-se fazer pesquisa no Google! Assim, afirmo aqui — as vítimas proporcionaram a própria tragédia financeira e amorosa. Uma delas, a Cecilie ainda está no Tinder — mas talvez agora famosa, mais cuidadosa.
Fato curioso é o que ocorre com a Ayleen — ela consegue dar um golpe no perverso Shimon! Mas quero evitar spoiler e deixar você descobrir caro leitor, por contra própria, que só um perverso pode enfrentar outro perverso diante de seus acting-outs, planos funestos e vinganças!
Assistam! Imperdível.
Sensacional sua análise Fábio.
Estou me deliciando aqui com a sua narrativa. Parabéns
Perfeita a análise. Adorei! 👏👏