Extrapolações, uma das séries mais interessantes do ano mostra nossa finitude e fracasso total como sujeitos sob a degradação climática que já chegou
O declínio do mundo como conhecemos e os impactos concretos da crise ecológica estudados ao longo de 33 anos são os objetos de angústia nessa interessante narrativa
Finalmente aconteceu de verdade. Dia 7 de junho de 2023, quarta-feira, Nova Iorque foi tomada pela fumaça de incêndios florestais do Canadá, deixando a cidade com aspecto apocalíptico por horas — num estilo Las Vegas em Blade Runner 2049.

Quando Hollywood decide entrar na catástrofe climática, nos presenteia com filmes exagerados tais como The Day Ater Tomorrow, Mad Max Fury Road ou Geostorm! A série é mais comportada, mas não menos impressionante.
Então decidi compartilhar minhas impressões sobre essa série imperdível que assisti recentemente e que serve de alerta sobre o que está por vir…
Até seu último episódio futurista, são oito ao todo — Extrapolações — a série de Scott Z. Burns, que também foi o roteirista de Contagion (2011), de Steven Soderbergh, terá mantida sua linha narrativa incômoda entre ensaio apocalíptico antecipatório (Simbólico), tratado político inequívoco mas de difícil simbolização (Real) e ficção-científica preocupada em criar sua própria tragédia com novos gadgets, aplicativos holográficos, novas doenças e pandemias (Imaginário).
A série não esconde suas altas ambições inclusive técnicas e de casting (atores de peso!) num roteiro interessante e não hesita em sacrificar sua narrativa de 33 anos em benefício de sua mensagem e novo imagético baseado em climatologia, cibernética, inteligência artificial e… clouding.
Personagens vão e voltam… se conectam em episódios distantes… Antecipação de problemas com novas tecnologias e um mundo à moda de Blade Runner 2049 já são uma festa para os olhos! Fica tudo estranho no final da série, ela incomoda, nos implica numa bem possível finitude sofrível! Sabemos que o caminho é bem por aí!
Ainda sobre os personagens principais fascinantes, conhecemos um CEO desbussolado (como de costume), uma cientista grávida fugindo de incêndios florestais logo no início da série e um rabino afro tentando realocar sua sinagoga do aumento do nível do mar em Miami e um rapaz com problema de espaço para armazenamento de memórias! Mas no geral, Extrapolações tende a destacar pessoas em… posições privilegiadas. Temos alguns vislumbres fugazes mas importantes da vida de outros humanos verdadeiramente empobrecidos, como indivíduos desabrigados ou pessoas lutando para sobreviver no sul do planeta, embora contribuam muito menos para a mudança climática e possam com novas habilidades adaptativas suportar o peso da funesta ira apocalíptica planetária. No episódio “Nightbirds”, a população da Índia deve tentar se adaptar brutalmente às condições extremas de calor diárias, vivendo durante a noite e cobrindo seus veículos com protetores solares refletivos durante o dia — aflitivo!
Na contramão de obras catastróficas e filmes apocalípticos, Extrapolações descreve a lenta deterioração do planeta e nossa incompetência de reagir a ela. Parece que poucos querem é lucrar sempre com a tragédia alheia! Como sempre. O fim por via de porre ou por via de levare climático será inevitável.
A destruição mostra-se tolerada pela humanidade — o desaparecimento de espécies é largamente mencionado num lindo e triste episódio que nada mais é que uma vitrine para mostrar como o fim do mundo é um sistema com início já conhecido por nós mas com previsíveis fins também.
Cada episódio, situado sempre um pouco mais no futuro, apresenta um mundo que ainda é habitável, onde os über-ricos podem manter a ilusão reconfortante de que a sociedade ainda está de pé e vai bem — para os ricos claro! Já vimos essa história antes em muitos filmes de futuros distópicos. Mas cada salto no tempo, mostrado sempre na abertura de cada episódio (bem interessante pois nos situa no futuro registrado e datado), mostra duas fortes hipóteses:
um nível acachapante de habitabilidade que se deteriorou ainda mais e…
uma habitabilidade reservada a uma casta da qual cada vez mais pessoas são excluídas onde sobreviver é um luxo que nos remete ao filme ELYSIUM
Os episódios vão avançando ainda mais no século 21, com graves consequências a cada episódio para os bilhões de pessoas. O piloto começa com menos de 2 graus Celsius de aumento de temperatura. No momento em que chegamos ao penúltimo episódio, “The Going Away Party”, ambientado no ano de 2068, a Terra aqueceu 2,44 graus Celsius e o ar em São Francisco é irrespirável devido à poluição causada pelas emissões de combustíveis fósseis. É um cenário muito fácil de imaginar, e é isso que torna as Extrapolações de cada episódio tão estranhamente familiares e assustadoras.
A série enfoca bem esse drama que primeiro esmaga os países do Sul, depois os pobres do Ocidente e, por fim, as classes trabalhadora e média de todos os lugares, logo preservando apenas os ultra-ricos, no controle de um planeta do qual eles são os únicos a não sofrer as tragédias em redomas climatizadas. Desde a maré subindo na Flórida até incessantes chuvas em Mumbai não temos como não nos agoniar com o que está por vir — será assim mesmo, até nosso ar ficar praticamente nocivo!

O cinismo, a irresponsabilidade, o desprezo pelo menos favorecido e a impotência são aqui apenas sintomas cruciais de um capitalismo tardio deformado pela Inteligência Artificial, até mesmo sintomas da natureza humana nessa espiral obtusa narcísica onde sobreviver com saúde é um luxo supremo! Vale observar que a evolução tecnológica segue uma curva oposta à das mudanças climáticas: aos poucos, elas interferem na vida cotidiana até fazerem parte de cada momento de nossas vidas. Curioso é que apesar de serem uma delícia para nossa imaginação, os tais apps retratados (drones incluídos) — ficam deslocados a uma região periférica de atuação. Apenas nos colocam num futuro registrado pelas novas interfaces holográficas e telas sem-fim e não ajudam em nada, não oferecem nenhuma alternativa ao aquecimento global! São condutores de mensagens ou armanezadores de memórias digitais, nada além disso!
Eu adorei a série, você já deve ter percebido, e recomendo muito mas, existem alguns pontos a examinar…
seus personagens sempre obcecados pelo poder quando tudo desmorona;
seus heróis tolinhos convencidos de que a tecnologia pode nos salvar até via terrorismo ou…
ao contrário, de que a tecnologia nada pode fazer por nós…
a presença de um otimismo exagerado sugere que acabaremos por encontrar uma forma de salvar o planeta, e que podemos sempre adiar mudanças (spoiler — são exatamente os mesmos heróis que são censurados e oprimidos que numa interesante atitude se vingam dos mais ricos de forma originalíssima e… tecnológica — vide episódio 7, com final supreendente).
Mas Extrapolações comporta cenas bem explicativas, não busca sutilezas estúpidas, não possui personagens muito complexos propositalmente e se entrega ingenuamente à uma leve comédia às vezes. Fiquei intrigado com a série em si e imagino que a mensagem de Extrapolações pode ser resumida nesta observação:
"O capitalismo é a causa da destruição da Terra, mas, no ponto em que estamos, é também nossa última esperança, graças à sua força de ataque tecnológica" .
Força de ataque… E viva a ambivalência!

Ao definir-se em um futuro próximo, grande sacada de roteiro, Extrapolações oferece uma visão real e possível de nosso amanhã se não agirmos para conter as mudanças climáticas. Então devemos agir o quanto antes? E estamos agindo?

Para finalizar, provavelmente nunca haverá uma história de mudança climática perfeita. Nem é essa a ideia da série! A mudança climática é um tópico realmente complicado e um campo fértil para a ficção-científica. Difícil imaginar assistir a um único episódio e não se sentir pelo menos um pouco comovido para proteger nosso planeta ou receber novo significantes para pesadelos!
Você pode assistir à série na Apple TV+.
Excelente matéria é ótima dica dentre tantas que você posta.