O famoso "Foi sem querer querendo..."
Atos Falhos estão por toda parte e sim, revelam mais do que que você imagina do que ocorre dentro e fora de seu entorno
Hoje aconteceu algo estranho mas divertido! Fui jogar uma latinha no lixo e quase joguei meu celular ao invés da lata! Quase!
Caro leitor, você já leu o texto das “Conferências Introdutórias à Psicanálise (1916 – 1917) – Primeira Parte: os atos falhos”? Se ainda não leu… corra para ler! Mas neste post apresento algumas interpretações complementares.
Fato interessante é: os Atos Falhos, aqueles errinhos de início tolos e infantis que provocam riso e atualmente até os famosos e virais “mêmes” na internet permeiam nossa realidade. No nosso dia-a-dia, o termo Ato Falho já é popular, ligado principalmente ao erro no discurso, na fala, aos equívocos nos materiais impressos e novamente postagens absurdas em redes sociais.

Quando cometemos o erro, o interlocutor logo diz que estamos escondendo algo e que o erro é a representação do que eu, o locutor, desejava dizer, não é verdade? Erro verbal, de escrita ou de memória, são gigantescas fontes de chistes, piadas, palhaçadas. Se alastram por todos os lados e muitas vezes caracterizam até momento político do país. Impossível não se deleitar com exemplos abaixo:
1. Numa unidade das Lojas Americanas em São Paulo um cartaz anuncia, “Todo dia é dia de economizar – Roupas de INFERNO infantil por R$ 2,99.”
2. Até notas de obituário divertem. Em um jornal não identificado, o seguinte texto sempre passeia pela internet brasileira : “É com prazer que a diretoria e funcionários da Terrafoto S/A comunica o falecimento de seu colega…” — Prazer? Quando a polidez ultrapasa o bom-senso. Talvez o tal funcionário não fosse tão querido assim... pelo menos por quem redigiu a nota enviada para o obituário do jornal.
E o comportamento dos políticos ou personalidades religiosas no Twitter? Têm exemplos mais chamativos?
3. José Serra desejando Feliz Natal: “Espero que todos os meus desejos se realizem… E o primeiro deles é continuar seu amigo por muitos anos”
4. Edir Macedo: “Religião separa pessoas, cria atritos e divide lares e casais. Ela é a criação satânica mais nefasta da face da Terra”. Enquanto isso, o Pastor Malafaia em sua conta digita em menos de seis meses 55 vezes a palavra Jesus e incríveis 170 vezes a palavra Gay, tema que o preocupa tanto!
As redes sociais são um campo fértil mas minado para o equívoco, ou pela espontaneidade que oferecem ou pela rapidez viral pela qual as informações reais ou não se espalham! E os corretores dos aplicativos de chats imediatos podem catalisar erros divertidos. Transcrevo uma micro-conversa recente entre um casal que pode esconder um joguete de sedução adolescente:
“Vem aqui em casa amanhã?”
A garota responde: “Não vai dar, amanhã estou no cio…”
Animado, o rapaz muda o tom usando letras garrafais! “OBA! MELHOR AINDA!”
Rapidamente a garota retruca: “NO RIOOOO… RIO DE JANEIRO!”
É muito simples julgar estes equívocos como conectados ao cérebro deixando a cultuada neurociência explicar como deslizes, escorregadas do pensamento pelo tobogã dos neurônios e sinapses. Para a neurociência tudo isso é um mero “esquecimento”. Esclarecendo pela neurociência: imagine que você viu um filme faz tempo. Você não gravou todos as imagens, minuto à minuto. Claro, seu cérebro para a neurociência não grava tudo como um computador. Num determinado momento uma ação externa solicitou que você elaborasse uma resposta num “momento hipotético” numa prazerosa reunião com amigos. O seu cérebro vai buscar este filme, vai re-editalo, com informações “ditas” principais. Durante esta re-edição, que é apenas sua, o seu cérebro vai colar estes trechos com “invenções” baseados no seu campo repertorial. Essas invenções são o “Ato Falho”. Pronto. Está explicado o Ato Falho pela neurociência. Simples. Factual. Pontual. Nesse momento, as cinzas de Freud se agitam no East Columbarium em Londres! E espero que o fantasma desse gênio puxe o pé de quem nessa biotecnológica explanação acredita piamente!
Existem duas condições neurolinguísticas necessárias para que se materialize o ato falho por esta ótica: alguma fagulha cognitiva (o tal desconhecimento, uma falta de concentração, a distração, o comum estresse, a falta de sono) e o ambiente emocional presente no momento da ocorrência da necessidade de ação. E.g. — “Estava dirigindo aflito com um prazo de um tarefa do trabalho e não vi a rua de entrada para o escritório, passei direto e em alta velocidade”. Eu confesso que já fiz isso! Ao meu particular contragosto, a pequena lacuna, o “tilt” de memória é “bobagem” para rir cerebral, explica a tal neurociência. E nada de oculto apresenta. Nada? Quero ver você dizer para seu namorado ou namorada que é a memória RAM do cérebro que literalmente “DEU PAU” na hora que você falou o nome de algum afeto ou desafeto antigo durante momento íntimo! Corra para uma interminável, insuportável e famosa “DR”!
“Mas claro, prefiro a Psicanálise!”
Chegamos ao que muito me agrada! Vamos comparar? Para Freud, estes escorregões estão profundamente conectados ao Inconsciente. Eles revelam pensamentos, crenças, desejos, intenções, vontades secretas e obscurecidas que todos nós temos. Os atos falhos podem ser verbais (Versprechen), podem ser na leitura (Verlesen), na audição (Verhören), no esquecimento (Vergessen), no extravio de coisas (Verlegen). Também Freud examinou a perda interpretativa voluntária de objetos (Verlieren) e até equívocos (Irrtümer) — quando imaginamos saber de algo temporariamente e ao saber vemos que estávamos de alguma forma enganados (muito comum atualmente nas redes sociais). E Freud não parou por aqui, ele ainda exemplifica Atos Falhos quando apanhamos objetos errados (Vergreifen) — olha aqui eu quase jogando o celular fora — e também nomeia aquela sensação de “saber um caminho de cor mesmo quando erramos a rota” (Vergehen) — é como se o caminho fosse um trilho… talvez você o percorresse de olhos vendados.
Vulgarmente, chamaria os atos falhos de fagulhas, “biribas”, dicas do inconsciente. “Poff” elas fazem barulho, chamam a atenção, tem história nelas! Os antigos “estalos de salão” do aparelho psíquico para os mais maduros com eu são ideias que remontam a “relações perigosas” lá no quântico Ics... ideias denunciatórias. Ah, “Vorstellung”, o que estas relações representam entre palavras e objetos, que “ideias” realmente representam?
Para Freud, existem dois fatores capazes de determinar o ato falho em si, trazendo à consciência a “ação” ou “palavra substitutiva equivocada”. O primeiro fator concentra-se no “esforço de atenção” e o segundo fator no “tudo que se conectou ao material psíquico”. No seu livro “A Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901)”, volume VI, Editora Imago, Freud vai além dos singelos esquecimentos de nomes próprios. E como sempre, Freud incomoda, revela, desestrutura, provoca com seu discurso e sua habilidade como “storyteller do Inconsciente” e nos conduz prazerosamente à uma enorme variedade de atos falhos por várias anedotas, casos, histórias de viagens, lapsos, esquecimentos de intenções e até nos transmite suas idéias de determinismo e superstição. Portanto, para Freud, muito além do simples esquecimento de nomes próprios (como particularmente exemplificarei a seguir) há outros esquecimentos motivados pelo recalque. Em linha geral e tentando ser simplista, crenças e pensamentos ditos como provavelmente inaceitáveis são “recalcados a partir da consciência”. Descem para o Pcs e direcionam-se para o Ics. Quando escapam do Ics após deformação e liberação via censura estes lapsos ajudam a revelar o que está oculto, eles não explicam diretamente a idéia mas denunciam intenções, revelam singularidades!
Nesse mesmo livro, Freud escreveu que “Quase sempre eu descubro uma influência perturbadora de algo fora do discurso pretendido… O elemento perturbador é um único pensamento inconsciente, que vem à luz através do engano especial.” Ah, suprimir pensamentos do Ics voluntariamente é difícil. Eles estão lá pulsando não é verdade Freud?
Neurocientistas me desculpem. Ato Falho na “maioria das vezes” tem sentido maior escondido. Ato Falho fora da banalidade é a comprovação daquela famosa e tolinha frase da cultuada série de televisão mexicana — “Chaves e Chapolim” — onde vez ou outra o protagonista dizia “Foi sem querer querendo!”.
A inclinação para a ocorrência do Ato Falho não é 100% planejada, claro — então não é tudo que se diz Ato Falho popularmente um Ato Falho, óbviamente! Exemplifiquei errinhos divertidos, em um deles a palavra INVERNO foi trocada por INFERNO (mencionado no começo do texto) ou ainda me lembrando agora, a famosa e absurda oferta de cerveja SKOL colocada próxima à material escolar na Lojas Americanas em São Paulo. Estes “SIM” podem ser planejados, maldade de algum funcionário insatisfeito ou em busca de atenção, vingança...
Vamos adentrando no EGO de cada um, nesse EU nada absoluto e achando caminhos e descaminhos no jogo da linguagem, passando pelo Pcs e descendo ao registro do recalque primoridal, secundário e pairando na constituição do Inconsciente... pergunto o que atemporalmente está lá? Já sabemos que no Ics duas ações contrárias não se anulam como vetores em Física, “soluções de compromisso” acham novas vias de manifestação pós falha da censura. Existe condensação de ideias no Ics e frouxos elos de união entre tudo que foi recalcado. E nosso EGO não comanda tudo. Já disse Freud na Conferência XVIII – Fixação em Traumas – O INCONSCIENTE; “...Mas a megalomania humana terá sofrido seu terceiro golpe, o mais violento, a partir da pesquisa psicológica da época atual, que procura provar ao ego que ele não é senhor nem mesmo em sua própria casa...” . Se fosse assim, se fôssemos singularmente EGO, para que a Psicanálise, não é?
Num “verdadeiro Ato Falho freudiano”, a manifestação da idéia é proveniente de erupções do processamento do Inconsciente. E vale analisar o contexto sempre. Tem manifestação do Inconsciente saindo da válvula da panela de pressão? É Ato Falho freudiano! Enquanto recalcamos pensamentos, eles retomam novo caminho, como que saindo desta válvula da panela de pressão no momento mais “inconveniente” – e podem denunciar intenções diferentes do que se desejava comunicar. Esses pensamentos estão conectados “às versões” do que desejamos comunicar, a algo pressupostamente reprimido. Eles são “ingredientes” do que desejamos falar, escrever ou do que às vezes não desejamos manifestar intencionalmente via Cs, mas talvez via Ics. Podem ser até sentimentos opostos ao que queremos comunicar, pois de alguma forma pensamos na polaridade, no antagonismo em algum momento. Ou seja... “Foi sem querer querendo...”. Talvez, logo depois, o seu SUPER EGO queira te castigar!
Lendo Freud, posso complementar que um ato falho pode ser até “familiar” no seu contexto. Quando escrevo familiar, entro no mundo do conhecido, do que contextualmente não me é estranho. Numa passagem interessante do Volume VI (IMAGO), particularmente no Capítulo III – O ESQUECIMENTO DE NOMES E SEQUÊNCIAS DE PALAVRAS Freud propõe um teste a um colega mais jovem relacionado a esquecimento de sequência de palavras em língua estrangeira com ênfase no poema “Die Braut Von Korinth” (“A Noiva de Corinto”). Livremente fiz associações ao que contarei a seguir que de certa forma, esbarra na memória de penoso afeto particular. Vamos então para o exemplo pessoal desta familiaridade, minha “CONFICÇÃO”.
Meu ex-sogro não conseguia se acostumar a me chamar de Fábio. Era muito comum me chamar constantemente de Flávio. Minha ex-cunhada revelou que Flávio foi um rapaz que tentou esposar a minha ex-noiva antes de meu “surgimento”. Como não sou Judeu, meu ex-sogro teve um pequeno ato falho ao confundir os nomes Flávio e Fábio, que até apresentam familiaridade de estruturas semânticas e fonéticas. Os sons são parecidos. Incluindo a coincidência da noiva ser o mesmo objeto de investimento amoroso de nós dois. Mesmo quando carinhosamente me chamava de Fabinho, dizia Flavinho. Ato falho! Ato Falho! O nome Flávio estava ainda conectado ao desejo de matrimônio religioso e com o pretendente inclusive mais abastado que era da religião judaica. Além disso, na época existia um conflito inexistente de minha parte relacionado à transferência do legado religioso. Era “exigência da família” da noiva que a futura esposa gerasse filhos da religião judaica. Tecnicamente a obrigação de ensinar Torá é do pai e na família israelita judaica, a tradição da passagem da religião é confirmada pelo ventre da mãe. Também há uma “mitsvá” (mandamento) de origem rabínica, o “chinuch” (desenvolvimento intelectual baseado nos valores judaicos), onde “pai e a mãe” treinam seus filhos a obedecer o “mitsvot” (plural de mitsvá) e evitar o que a Torá proíbe. Enfim, estava enrascado. Como competir com Flávio — o anti-Fábio — revelado no Ato Falho e a importância da transmissão da milenar religião?
O “noivo impostor” era conhecido há mais tempo – entre Flávio Judeu vs. Fábio Gói parececeu-me que sempre vencia o impostor! Mas dentro do Ato Falho havia também um “espelho” meu – minha imagem numa família que sempre me veria como não-judeu. Era o medo de gerar filhos mestiços e impuros sob os olhos rabínicos? Talvez. Foram semanas para que o ato falho de dissipasse, pelo menos um pouco. Acho que o Ato apenas tornou-se menos freqüente. Algumas vezes, o nome do impostor era seguido de correção pelo ex-sogro. Tentava fazer com que o nome Flávio nem do Pcs vazasse... às vezes com sucesso. Mas, analisando a relação Fábio vs. Sogro, sempre penso na possibilidade de provocação, que descarto de imediato. Mesmo mostrando a similaridade estrutural dos nomes é impossível não notar a ação do Inconsciente do ex-sogro que causou problemas momentâneos ao casal — o Flávio virava assunto! Quem no fundo o sogrão desejava ver sempre era o impostor quase homônimo? Talvez sim caro leitor. Atualmente eu e a antiga noiva somos grandes amigos, passamos por vários relacionamentos e seguimos caminhos diferentes. Flávio está solteiro até hoje pelo que soube. Fato é, o sogro faleceu e está sepultado no Cemitério Esraelita muito próximo à minha residência. Ele está mais próximo de mim que do Flavinho. Vida que segue!