Suicídio em Freud e... além.
Nessa vida covidiana, muito se fala na clínica e fora dela sobre o suicídio. Coloco neste texto, algumas reflexões para interessados em Suicidologia.
"Se não te agradar o estylo, e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito". Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo “A Quem Ler”
Preâmbulo
Garota de 12 anos de idade inicia namoro com rapaz de 18 anos na escola. A garota já é quase uma mulher pois é traço hereditário familiar rápida puberdade — portanto ela não aparenta ser criança. O pai da garota, exige fim da relação ao conhecer o rapaz numa tarde, quando foi buscar a filha num shopping-center de São Paulo e percebe que o garoto também aparenta ser mais maduro que o normal para a idade. A mãe desaprova a conduta do pai no mesmo dia. O pai furioso e imaginando possibilidade de relações sexuais do jovem casal, retira todos os dispositivos da filha — celular, ipad e computador — prometendo retorná-los caso ela termine o relacionamento. Em desespero patológico, delirante e angústia, a garota escreve uma carta aos pais de 3 páginas (conteúdo desconhecido) e atira-se da janela de seu quarto no 22º andar de um condomínio de luxo em São Paulo. Segue-se semana de caos na escola, no condomínio e entre os familiares que não compreendem a atitude. Julgamentos intolerantes e religiosos punitivos — e.g. “ela foi para o inferno” — são mais evidentes e numerosos do que atos de compaixão, apoio e ajuda à família e muito menos busca por auxílio psicanalitico aos que sobreviveram ao suicida.
Suicídio, como tema
Alguns autores consideram a passagem ao ato do suicído a über tragédia da existência humana. Não é um fenômeno novo, sabemos disso! Mas tem tomado excepcional espaço em nossas vidas. Todo os anos, praticamente um milhão de pessoas fazem a opção pelo suicídio. E estes suicídas afetam em média 6 pessoas que ficaram.
Estamos atualmente diante de uma epidemia mundial. Nunca se relataram tantos casos de suicídios bem-sucedidos (irônicamente quando o indivíduo obtém sucesso no óbito) e tentativas. O suicídio já é a segunda causa de morte entre jovens (via estatísticas da Organização Mundial da Saúde) e é muito impróprio explicar o evento em termos de moralidade, religião ou conflitos de interesses familiares — cabe aqui salientar que a primeira causa de morte entre os jovens têm sido acidentes automobilísticos (mas existe a desconfiança da OMS que muitos deles sejam uma maneira de suicídio). Dentre os autores que me impressionaram pela escrita sobre o assunto coloco em destaque David Émile Durkheim (1858-1917). Em sua obra O Suicídio, publicada em 1897, o autor escancara a diferença entre as taxas de suicídio observadas entre católicos europeus e protestantes, elevando o suicídio a um “fato social” poderoso! Ou seja — estava entre nós... e ainda está de uma maneira diferente. A “quimera suicída” tem novas cabeças e se adapta ao sofrimento de cada momento! As palavras de Émile assustam às vezes, elas apresentam contemporaneidade. Mas muito do conteúdo de Durkheim se distancia do suicídio romântico do século XIX e do ato de hoje. A quimera, como um pokémon em evolução, tinha outras características e é mutável. Durkheim também propõe uma tipologia muito interessante do suicídio que vale à pena a leitura informativa e nessa tipologia o suicídio varia em razão inversa ao grau de integração da sociedade religiosa, doméstica e política;
a) Tipo de suicídio anômico: realizado por indivíduos com falta de expectativa, profunda desorientação, ausência de normas sociais; incapazes de fazer parte de uma sociedade;
b) Tipo de suicído altruísta: realizado por indivíduos militares ou religiosos, integrados a um grupo com possibilidade de aniquilação de um sujeito em benefício a uma coletividade; atualmente bem comum com os “jihadistas de plantão”;
c) Tipo de suicído egoísta: realizado por indivíduos pouco integrados ou à margem de um grupo social; difere-se do anômico pois o indivíduo sente-se acima de tudo e de todos;
d) Tipo de suicído fatalista: realizado por indivíduos extremamemente controlados, incapazes de modificar regras e leis.
Na escalada do desenvolvimento deste material, me deparei com outros autores tais como Philippe Pinel (1745 – 1826) e Claude Bourdin (1815 – 1886) que consideram o suicídio uma doença mental. Estão sob os encantos somáticos da medicina e não vale à pena discursar sobre eles. A abordagem neste material é psicanálitica!
Fato importante é que na gigantesca obra, Sigmund Freud (1856 – 1939) passou pelo assunto. Para Sig, o suicídio é o resultado da predominância da pulsão de morte sobre a pulsão de vida, o clímax do autoerotismo negativo — ato de defesa máximo do ego normal contra a psicose, uma reação do superego, um “furor narcísico” contra o que é insuportável — uma escura sombra do que restou do objeto perdido. Freud também considera o suicídio como auto-punição pelo desejo de matar outrem!
Não posso deixar de fantasiar o que se passava pela cabeça de Freud, quando acometido de câncer clama por alta dose de morfina ao seu médico para terminar seu sofrimento. TERMINAR O SOFRIMENTO num furor curandis contra-transferêncial, visando seu próprio fim.
Freud e o suicídio
Temos uma momento de um insucesso de suicídio na obra de Freud ilustrado no caso da jovem homossexual, em A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher (Freud, 1920/1996). Neste caso, além do olhar do autor sobre a significação inconsciente psicossexual do fenômeno de escolha objetal sexual — lesbianismo — temos o episódio suicida e a contínua terapia com o autor. Freud narra a tentativa de suicídio da analisanda após a ruptura com a dama amada, e durante o percurso do caso, explica a ação das forças libidinais que fizeram a garota passar de uma posição edípica normal para a homossexual. Freud relata também a relação do nascimento de um irmão barrando a estratégia fantásmica em direção ao pai como um elemento precipitativo da escolha homossexual mas não do suicídio. Resumindo o momento do suicído — o mais impactante e conectado ao meu texto — e dando o nome aos personagens: Sidonie Csillag (pseudônimo) enquanto passeia com sua amada, a baronesa Léonie von Puttkamer entre os edifícios da Secessão e da Kettenbrückengasse, por coincidência, percebe que o seu pai direciona-lhe um olhar enfurecido! Sim, “coisa de novela” encontrar com o pai que vigia e é o grande repressor num passeio com a amada! Essa reprovação tem efeito imediato precipitativo na passagem ao ato. Ela rompe com a dama — confessa que o tal homem que dirigiu o olhar já havia proibido a profunda e incomum amizade entre elas — e se joga do alto da pequena ponte sobre uma praça de veículos de transporte urbano, mas cai sobre uma espécie de toldo que evita a morte. “Desesperada por haver dessa forma perdido para sempre sua bem-amada, quis pôr termo à sua própria vida” (Freud, 1920, p.201) — particularmente, adoro essa passagem da escrita freudiana.
Para Freud o desejo de ter um “filho do pai” se glorifica nessa tentativa de suicídio, quando a jovem se arremessa da ponte para a aniquilação e Sig escreve em seu texto, “pois agora ela caíra por culpa do pai” (Freud, 1920, p.201). Será mesmo? Talvez! Na minha escuta, baseada em leitura e que surge além do tempo de Freud, inúmeros fatores predisponentes levaram ao precipitativo — o suicídio. Não apenas isso — “jogar a culpa no pai”! Mas Sidonie não pertence à minha clínica e muito menos ao nosso tempo. Que pena que não pude escutá-la.
Grand-finale! Sidonie sobreviveu! Sabemos que Sidonie exilou-se em Cuba durante a Segunda Grande Guerra e após nomadismo pelas américas retorna a Vienna com quase 100 anos. Em 1997, numa entrevista à mídia austríaca declara não ter passado um único dia de sua vida que não tenha pensado na sua dama. E que angústia viver na sombra desse amor “nunca esquecido”, nesse sombrio “Coração de gente — o escuro, escuros” (Guimarães Rosa, Grande Sertão)... que angústia tentar supor, idealizar, planejar e executar nosso fim! Segundo Freud, “é impossível imaginar nossa própria morte e, sempre que tentamos fazê-lo, podemos perceber que ainda estamos presentes como espectadores. Por isso, (...) no inconsciente cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade” (Freud, 1915, p. 327).
Freud: Luto, melancolia e aniquilação do Ego
Em 1910, Adler, Sadger, Stekel e Freud estavam numa reunião na Sociedade Psicanalítica de Viena discutindo o assunto “Suicídio”. E numa publicação de Friedman (1967) encontramos uma passagem em que Freud reforça nessa reunião a necessidade de mais estudos de casos clínicos para um desenvolvimento de teoria psicanalítica do suicídio. Já em 1917, com a publicação de Luto e Melancolia, Freud se posiciona na formulação das dinâmicas oriundas da depressão melancólica e do suicídio. Quando lêmos o texto, percebemos uma notação clínica de grande impacto: “Se se ouvir pacientemente as muitas e variadas auto-acusações de um melancólico, não se poderá evitar, no fim, a impressão de que frequentemente as mais violentas delas dificilmente se aplicam ao próprio paciente, mas que, com ligeiras modificações, se ajusta realmente a outrem, a alguém que o paciente ama, amou ou deveria amar. Toda vez que se examinam os fatos, essa conjectura é confirmada.”, (Freud, 1917 p.254). Logo após, Freud segue afirmando: “percebemos que as auto recriminações são recriminações feitas a um objeto amado, que foram deslocadas desse objeto para o ego do próprio paciente”, (Freud, 1917 p.254). Exatamente nestas duas passagens percebe-se que o suicídio depende da capacidade de afastar-se de si mesmo, da escolha e da interiorização objetal, e da possibilidade de agir sobre si como outrem — uma alienação ao desejo do Outro talvez, uma auto-tortura melancólica. Freud não parou por aí e levantou um paradoxo da tendência ao suicído que nos faz pensar em como o suicida consegue realizar o ato diante da primitiva auto-preservação: “tão imenso é o amor de si mesmo do ego (self-love), que chegamos a reconhecer como sendo o estado primevo do qual provém a vida instintual, e tão vasta é a quantidade de libido narcisista que vemos liberada no medo surgido de uma ameaça à vida que não podemos conceber como esse ego consente em sua própria destruição.”, (Freud, 1917 p.257). Mas no caso dos suicídas, podemos concluir que o objeto ausente é mais poderoso que o próprio ego. O ego só pode “se matar” se o self dirige a hostilidade objetal para si mesmo (podemos ver isso nas inúmeras cartas e bilhetes deixados por suicidas: “sou uma farsa, sou um fracasado, sou feio, sou um lixo, ninguém me ama, sou falido... não aguento mais continuar, a vida sem você é impossível...”).
Para o suicida, em Freud, a perda, a desconsideração, o desprezo, o desapontamento, a humilhação, a aniquilação do amor e do respeito, a alteração do curso idealizado da vida, podem fazer surgir ambivalência entre amor e ódio. Se o amor pelo objeto perdido se refugia na identificação narcisista o ódio pode entrar em ação ainda no objeto perdido. Esse ódio transforma-se numa “cola emocional” que dificulta o investimento nos novos objetos e a possibilidade de elaboração de lutos — do que foi perdido — e subsequentes novos investimentos objetais substitutos. O ego do suicída fica preso numa satisfação sádica cícilica, numa vitimização, porque o objeto é parte do ego e muitas vezes é o próprio ego (exemplo de ciclo sádico cíclico: fui demitido por estar velho ➤ estou velho para fazer outra coisa ➤ o mercado não contrata mais pessoas velhas ➤ se fôr recontratado serei demitido por “ser” velho). E ainda reforçando a dinâmica objetal pelas palavras de Freud: “Assim, a sombra do objeto caiu sobre o ego, e este pôde, daí por diante, ser julgado por um agente especial, como se fosse um objeto, o objeto abandonado”. (Freud 1917, p.255).
Já no texto O Ego e o Id (Freud, 1923), Freud volta ao suicídio onde o superego sobrecarregado de energia sádica colabora na auto-punição levando o ego ao suicídio ou ainda, o superego drena a catexia libidinal do ego, enfraquecendo-o até a aniquilação! Muitos dos ciclos viciosos auto-punitivos escutados na clínica, carregados de remorso e ódio para o self exemplificam o ataque do superego. É importante reparar que Freud em Luto e Melancolia aborda o suicídio pelo vetor “amor-próprio danificado” e no Ego e o Id conecta o suicídio ao “ataque-interior aniquilatório”.
Suicídio como onda pelo mundo
O suicídio oferece um novo ponto de vista sobre “algo que não vai bem” e tem se espalhado como uma epidemia como efeito de estresse social e empobrecimento emocional. Além de alimentado pela epidemia de infelicidade mundialmente reconhecida! Recentemente — em apenas duas semanas — dois alunos do ensino médio de um renomado colégio paulista se mataram em época de provas e recebimento de notas. Pressão e frustração de objetivos estão lado-a-lado como fatores precipitativos. Quando adolescentes se matam, percebemos que “algo escapou” da visão dos pais, do colégio, dos amigos, dos não-amigos, da sociedade... mas deixou sua sombra. A escola em desespero avisa à mídia que contratou um psicoterapeuta. O ato suicida não é mais um fenômeno marginal de uma psicopatologia isolada. Todos estão envolvidos...
Em 1977 no Japão, 784 jovens se suicidaram — 13 eram crianças e deixaram a população sem a mínima ideia do que levou os jovens ao aniquilamento próprio. Inúmeros fatores precipitativos podem ter colaborado com essa onda nipônica de morte — vergonha, fracasso sob pressão, perda moral, bullying, adesão a pactos (e aqui também podemos ver isso atualmente não é caro leitor?). Vale salientar que a priori a relação com a morte no xintoíso e budismo é muito diferente da ocidental e o suicídio passa por outras consequências num plano espiritual idealizado. Portanto as repercussões dos atos são vistas de formas diferentes. Ainda no Japão, desde o começo do ano 2000, uma “variação do suicídio” tem sido praticada mas encaixa-se numa síndrome epidêmica baseada em imitação. Em 2010, praticamente 700.000 homens com média de 30 anos decidiram cortar laços com o “excesso de realidade torturante” e viver isolados do mundo nos seus aposentos — estes homens são definidos como Hikikomori. São diferentes dos Herbs também do Japão, que convivem socialmente, trabalham, mas abstêm-se de sexo e casamento e dos tais NEETs que apenas fugiram do mundo digital e das redes sociais (inclusive para fugir da famosa tendência de revenge porn tão comum nas redes). Essa pré-morte ritualística do Hikikomori é uma forma de se evitar os efeitos negativos do sofrimento, compulsões (ligadas a alimentação, sexo e compras), violência, carreirismo e humilhação no ambiente de trabalho. Para o Hikikomori, estar fora da rotina e das ameaças da vida diária signica retomar as “rédeas do próprio destino” — como uma passagem ao ato suicída — não existindo mais para o mundo exterior mas sem coragem de por fim à própria existência! Sob a análise sintomática psicanalítica, um Hikikomori: fica 24 horas por dia em casa no quarto, lendo, sem internet, com ou sem TV, geralmente ouvindo músicas; insistentemente evita e não participa de eventos com familiares e amigos; apresenta evidente apatia e total falta de investimento egossintônico mas muitas vezes é exageradamente egodistônico; pode ser acumulador e ter dificuldade de se desfazer de objetos simples tais como embalagens; não apresenta nenhum outro distúrbio mental predominante aparente tal como psicose e parece ser uma pessoa extremamente comum; não tem nenhum animal de estimação; vive com os pais provedores; não consome fármacos psicotomiméticos; tem trauma comum na escola, que gerou em algum momento o futoukou — a total falta de vontade de ir à escola; está isolado desta forma por no mínimo 6 meses.
Taiwan, Singapura e Coréia-do Sul já tem seus Hikikomori. Mas tanto no Japão quanto fora, a grande maioria são homens. Atualmente existem 1.55 milhão de Hikikomori no Japão vivendo numa espécie de proscenium do suicídio social.
Nessa onda, temos ainda um grande psicanalista francês, Christophe Dejours, que se destaca no estudo das armadilhas do trabalho, da frustração proveniente de investimento de energia psíquica e nas falsas expectativas nossas na “bolha empresarial” que resultam em sintomas tais como depressão, desânimo, apatia, ideação suicída e passagem ao ato mortal! Na edição de 26 de setembro de 2009 — passando ao mundo traumático e sombrio do trabalho de Dejours — o jornal Le Monde coloca como matéria de capa o suicídio de empregados da France Telecom, um caso gritante de privatização canibalística, onde o prato principal eram os empregados da empresa. Quase dois terços dos funcionários eram servidores públicos e dentro de um plano empresarial chamado NEXT, os trabalhadores que em sua grande maioria tinham entre 40 e 50 anos de idade foram forçados a aceitar novos trabalhos em áreas e cidades diferentes. Quem ficou teve que optar em aceitar a nova meritocracia neoliberal, a falta de colaboração, prazos e trabalhos inconsistentes ao cargos e sobretudo a violência psicológica que obrigava os novos soldados da futura Telecom-Orange a se demitir! Durante o período de 2 anos de reestrutração com avaliações individuais, rivalidades fomentadas propositalmente, inveja, assédio, falta de companheirismo e uma atmosfera corporativa envenenadora, muitos se demitiram mas... 35 funcionários cometaram suicídio. E quando perde-se mão-de-obra na corporação o que acontece? Absolutamente nada... os sobreviventes voltam ao trabalho frustrados, impotentes e muitas vezes mais sobrecarregados pelas atividades do suicída! É o soldado corporativo carregando a mochila do abatido como um zumbi! Enquanto isso, em Shenzhen (China), na Foxconn, fábrica chinesa utilizada pela Apple para montagem de iPhones e iPads, são colocados 3 milhões de metros quadrados de redes amarelas de proteção à volta da fábrica para inibir suicídios. Em 2010, dezenas de operários tentaram suicídio, 18 conseguiram. Pouco tempo depois, os operários desencorajados pela rede não mais se atiraram pelas janelas, nem se enforcaram ou muito menos atearam fogo aos seus corpos — decidiram se tranformar em homens-bomba, levando consigo partes das produções da Apple. Atualmente, a Foxconn tem um lema de trabalho – “O ATO É ERRADO, A VIDA É PRECIOSA”, incluíndo a exinção de altas compensações financeiras aos famliares do suicída que “não são mais previstas” nas duras leis chinesas (de acordo com a agência de notícias chinesa, Xinhua, antes as famílias recebiam em media 100.000 Yuan ou aproximadamente 15.000 dólares norte-americanos como indenização). O fantasma da morte sem lucro financeiro para a família criou um exercito de zumbis chineses nas fábricas. A corporação venceu! Mas a sombra do objeto perdido, do tempo não gozado, da família não revisitada... continua rondando a fábrica como um fantasma.
O suicída, na clínica
Minha grande preocupação ao explorar o escopo do assunto tem um grande significante conectado ao manejo do suicida sobrevivente e da ideação do ato na clínica. Partindo-se do histórico do analisando, aconselho o foco de atenção aos pontos na transferência onde os pensamentos suicidas têm sua gênese — onde pode-se “fisgar” a grande ferida narcísica conectada à auto-destruição. Na clínica em questão, minha curiosidade como psicanalista conectra-se na prática do Holding, de Winnicott. Temos pacientes com traumas primordiais que precisam de uma metabolização diferenciada com a possibilidade de fracasso parental na situação terapêutica, entre outros fracassos, claro! O psicanalista precisa enxergar que está diante de um falso-self dominante que produz uma couraça quase que impenetrável no inconsciente do analisando. Esse paciente precisa de uma regressão à dependência com a “ressonância do analista”, ele precisa de uma figura materna simbólica onde possa “reviver e reparar” os traumas.
Concretizando o Holding como ato predominante transferêncial no setting analítico, em sua clínica, Winnicott propunha a efetivação de contato físico e maternal com o analisando. Existem pequenas vinhetas quase infantis descritas como Holding na obra de Winnicott — analista abre a porta para o analisando antes dele tocar a campainha, coloca leite e biscoitos no setting analítico como vetores permanentes de conforto. E Claro que diante da ideação suicida estas atitudes são pequenas... ou talvez não. Acho que precisa-se de mais! Holding precisa ir além! Nesse Holding ampliado o analista é responsivo, empático e principalmente reparador e recebe a experiência do analisando no aguardo das manifestaçoes deste falso-self. O objetivo é ter o trauma relembrado, vivenciado e re-experimentado no ambiente analítico para sua reparação, promovendo processos de maturação. Esse conceito analítico de Holding é uma metáfora parental potente, executado pelo psicanalista com a função mãe revisitada. Acho muito peculiar a forma que Winnicott mudou drásticamente o cenário clínico, levando o trabalho analítico longe do foco do conflito sexual e agressivo para o território da empatia responsiva onde a dependência é real, pode e precisa ser atendida! É nesse momento, ao praticar o Holding, que o psicanalista pode até salvar uma vida e as vidas dos que estão próximos ao suicída e que precisam de tanto Holding quanto o analisando.
Bibliografia
Durkheim, Émile. (1893/2018) Le Suicide. 14a Edição - Quadrige. Presses Universitaire de France.
Friedman Paul. (1967) On Suicide, with Particular Reference to Suicide Among Young Students. International Universities Press, New York.
Freud, S. (1996). Luto e melancolia - Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 14. Imago.
Freud, S. (1996). O estranho - Edição Standard Brasileira das Obras Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 17. Imago.
Freud, S. (1996). A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher - Edição Standard Brasileira das Obras Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 18. Imago.
Freud, S. (1996). O eu e o isso - Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 19. Imago.
Paul-Laurent Assoun (2009) Dictionaire des Oeuvres Psychanalytiques. Presses Universitaire de France.
M. Masud R. Khan. Holding and Interpretation: Fragment of an Analysis (1986). The International Psycho-Analytical Library, 115: 1-194. London: The Hogarth Press and the Institut of Psycho-Analysis. D. W. Winnicott.
Texto magnífico! O Suicidio pode ser considerado pandêmico, porém ainda é um assunto visto como tabu. É melhor não falarmos a respeito, gritam as massas. E não falando, vamos sufocando o sofrimento daqueles que padecem. De muitos, cujo o sistema está engolindo. Pra mim, fica muito claro, que trata-se além da causa da vida do individuo e de sua condição de responder a própria questão de existir, marca sim, o efeito de uma era, de um sistema que trabalha com lucro e não com vidas humanas. Quando passamos a ser consumidores, mas tbm produto a ser consumido, a vida foi substituída por produtividade e lucro. O laço social arrancado do discurso, como proferiu Lacan ao expandir seu ensino sobre os 4 discursos, assumindo um novo, o 5 discurso, o discurso do Capitalista, que remove o laço social.
Achei importantíssimo também trazer a questão da maternagem na análise, diferente do neurótico freudiano, temos agora indíviduos que mal trazem questões edípicas, já que não conseguiram, nem mesmo, estruturar e fundamentar as questões psiquicas da fase narcísica.
Texto magnífico! O Suicidio pode ser considerado pandêmico, porém ainda é um assunto visto como tabu. É melhor não falarmos a respeito, gritam as massas. E não falando, vamos sufocando o sofrimento daqueles que padecem. De muitos, cujo o sistema está engolindo. Pra mim, fica muito claro, que trata-se além da causa da vida do individuo e de sua condição de responder a própria questão de existir, marca sim, o efeito de uma era, de um sistema que trabalha com lucro e não com vidas humanas. Quando passamos a ser consumidores, mas tbm produto a ser consumido, a vida foi substituída por produtividade e lucro. O laço social arrancado do discurso, como proferiu Lacan ao expandir seu ensino sobre os 4 discursos, assumindo um novo, o 5 discurso, o discurso do Capitalista, que remove o laço social.
Achei importantíssimo também trazer a questão da maternagem na análise, diferente do neurótico freudiano, temos agora indíviduos que mal trazem questões edípicas, já que não conseguiram, nem mesmo, estruturar e fundamentar as questões psiquicas da fase narcísica.