Suicídio em Freud... e além
Setembro amarelo é um bom momento para discutirmos sobre esta "passagem ao ato" e aproveito para republicar um texto sobre o tema, desta vez ampliado
Suicídio, como importante tema desta newsletter
Alguns autores consideram a passagem ao ato do suicídio a über tragédia da existência humana. Não é um fenômeno novo, sabemos disso! Mas tem tomado excepcional espaço em nossas vidas. Todo os anos, praticamente um milhão de pessoas fazem a opção pelo suicídio. E afetam em média 6 pessoas que ficaram ou sobreviveram ao suicida,
Estamos atualmente diante de uma epidemia mundial. Nunca se relataram tantos casos de suicídios bem-sucedidos (irônicamente quando o indivíduo obtém sucesso no óbito) e tentativas.
Infelizmente, estamos numa sociedade performática (Birman, 2011) e essa falaciosa necessidade normativa de excelência se conecta a fatores precipitativos do suicídio, evidenciados pelo colapso da função desejante, tentativa de aniquilar-se um Outro introjetado ou um recado à falta de sentido da vida… um recado para quem?
O suicídio já é a segunda causa de morte entre jovens (via estatísticas da World Health Organization) e é muito impróprio explicar o evento em termos de moralidade, religião ou conflitos de interesses familiares — cabe aqui salientar que a primeira causa de morte entre os jovens têm sido acidentes automobilísticos (mas existe a desconfiança da organização que muitos deles sejam uma maneira de suicídio).

Dentre os autores que me impressionaram em termos de escrita sobre o assunto coloco em destaque David Émile Durkheim (1858-1917) que divide com Karl Marx e Max Weber um título de arquiteto da ciência social. Mas, isso é conversa de bar... fato é: que em sua obra O Suicídio, publicada em 1897, o autor escancara a diferença entre as taxas de suicídio observadas entre católicos europeus e protestantes, elevando o suicídio a um “fato social” poderoso, onipotente, mais forte que os indívíduos pertencentes a um grupo! Ou seja — estava entre nós... e ainda está de uma maneira diferente. A quimera suicída tem novas cabeças e se adapta plásticamente ao sofrimento de cada momento!
As palavras de Émile assustam às vezes — elas apresentam contemporaneidade. Mas muito do conteúdo de Durkheim se distancia do suicídio romântico do século XIX e do nosso. Portanto, a Quimera como um Pokémon em evolução, tinha outras características.
Durkheim também propõe uma tipologia do suicídio que vale à pena a leitura informativa;
Tipo de suicídio anômico: observado em indivíduos com falta de expectativa, profunda desorientação, ausência de normas sociais; incapazes de fazer parte de uma sociedade;
Tipo de suicídio altruísta: observado em indivíduos militares ou religiosos, portanto integrados a um grupo com possibilidade de aniquilação de um sujeito em benefício a uma coletividade; atualmente bem comum com os “jihadistas de plantão”, por exemplo;
Tipo de suicídio egoísta: observado em indivíduos pouco integrados ou à margem de um grupo social; difere-se do anômico pois o indivíduo sente-se acima de tudo e de todos:
Tipo de suicídio fatalista: observado em indivíduos extremamemente controlados, incapazes de modificar o presente de regras e leis.
Na escalada do desenvolvimento deste informativo, me deparei com outros autores tais como Philippe Pinel (1745 – 1826) e Claude Bourdin (1815 – 1886) que consideram o suicídio uma doença mental. Estão sob os encantos somáticos da medicina e não vale à pena discursar sobre eles. Por este motivo, decidi explorar e o tema e trazer uma abordagem para a Psicanálise.
Mas, fato importante é que apesar de gigantesca obra, Sigmund Freud (1856 – 1939) passou SIM pelo assunto. Uma pena que não se aprofundou um pouco mais. Para Sig, o suicídio é o resultado da predominância da pulsão de morte sobre a pulsão de vida, o clímax do autoerotismo negativo — ato de defesa máximo do ego normal contra a psicose, uma reação do superego. um “furor narcísico” contra o que é insuportável — uma escura sombra do que restou do objeto perdido. Freud também considera o suicídio como auto-punição pelo desejo de matar outrem!
Não posso deixar de fantasiar o que se passava pela cabeça de Freud, quando acometido de câncer clama por alta dose de morfina ao seu médico para terminar seu sofrimento. TERMINAR O SOFRIMENTO num furor curandis contra-transferêncial, ou seja seu próprio fim.
Freud e o suicídio
Temos uma momento de um insucesso de suicídio na obra de Freud ilustrado no caso da jovem homossexual, em A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher (Freud, 1920/1996j).
Neste caso, além do olhar do autor sobre a significação inconsciente psicossexual do fenômeno de escolha do objeto sexual — “amor de uma mulher por uma mulher” — temos o episódio suicida e a terapia com o autor. Na terceira parte do texto, Freud analisa a tentativa de suicídio após a ruptura com a dama amada, e durante o percurso do caso, explica a ação das forças libidinais que fizeram a garota passar da posição edípica normal para a homossexual, mostra a relação do nascimento de um irmão barrando a estratégia fantásmica em direção ao pai como elemento precipitativo da escolha homossexual mas não do suicídio. Resumindo o momento do suicído — a PASSAGEM AO ATO — o mais impactante e conectado ao meu texto — e dando o nome às personagens, Sidonie Csillag (pseudônimo) enquanto passeia com sua amada, a baronesa Léonie von Puttkamer entre os edifícios da Secessão e da Kettenbrückengasse, por coincidência, percebe que o seu pai lhe direciona um olhar enfurecido! Sim, “coisa de novela” encontrar com o pai repressor num passeio com a amada! Essa reprovação tem efeito imediato precipitativo na passagem ao ato. Ela rompe com a dama — confessa que o tal homem que dirigiu olhar já havia proibido a amizade entre elas — e se joga do alto da pequena ponte sobre uma praça de veículos de transporte urbano mas, cai sobre uma espécie de toldo que evita a morte. “Desesperada por haver dessa forma perdido para sempre sua bem-amada, quis pôr termo à sua própria vida” (Freud, 1920/1969j, p.201).
Para Freud o desejo de ter um “filho do pai” se reaviva nessa tentativa de suicídio, quando a jovem se arremessa da ponte para a aniquilação e afirma em seu texto, “pois agora ela ‘caíra’ por culpa do pai” (Freud, 1920/1969j, p.201) se utilizando de um jogo de palavras com o verbo ‘niederkommen’ e Lacan, no “Seminário X, A Angústia” revive o evento explorando sua leitura particular do caso: quando a jovem se precipita da ponte, ela realiza um ato simbólico — Sidonie jovem põe-se abaixo num ato que simboliza o nascimento da criança que o pai não lhe dera. Na minha escuta, que vai além, inúmeros fatores predisponentes levaram ao precipitativo — o suicídio. Mas Sidonie não pertence à minha clínica e muito menos ao nosso tempo. Que pena que não pude escutá-la.
Sabemos que Sidonie exilou-se em Cuba durante a Segunda Grande Guerra e após nomadismo pelas américas retorna a Vienna com quase 100 anos. Em 1997, numa entrevista à mídia austríaca declara não ter passado um único dia de sua vida que não tenha pensado na sua dama. E que angústia viver desse amor “nunca esquecido”.
Segundo Freud, “é impossível imaginar nossa própria morte e, sempre que tentamos fazê-lo, podemos perceber que ainda estamos presentes como espectadores. Por isso, (...) no inconsciente cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade” (Freud, 1915, p. 327).
Freud: Luto, melancolia e aniquilação do Ego
Em 1910, Adler, Sadger, Stekel e Freud estavam numa reunião na Sociedade Psicanalítica de Viena discutindo o assunto ‘Suicídio’. E numa publicação de Friedman (1967) encontramos uma passagem em que Freud reforça nessa reunião a necessidade de mais estudos de casos clínicos para um desenvolvimento de teoria psicanalítica do suicídio. Já em 1917, com a publicacão de Luto e Melancolia, Freud se posiciona na formulação das dinâmicas oriundas da depressão melancólica e do suicídio. Quando lêmos o texto, percebemos uma notação clínica de grande impacto:
“Se se ouvir pacientemente as muitas e variadas auto-acusações de um melancólico, não se poderá evitar, no fim, a impressão de que frequentemente as mais violentas delas dificilmente se aplicam ao próprio paciente, mas que, com ligeiras modificações, se ajusta realmente a outrem, a alguém que o paciente ama, amou ou deveria amar. Toda vez que se examinam os fatos, essa conjectura é confirmada.”, (Freud, 1917 p.254).
Logo após, Freud segue afirmando o encontro da chave do quadro clínico: “percebemos que as auto-recriminações são recriminações feitas a um objeto amado, que foram deslocadas desse objeto para o ego do próprio paciente”, (Freud, 1917 p.254).
Exatamente nestas duas passagens percebe-se que o suicídio depende da capacidade de afastar-se de si mesmo, da escolha e interiorização objetal, e da possibilidade de agir sobre si como outrem — uma alienação ao Outro, um sadismo, uma autotortura melancólica. Freud não parou por aí e levantou o paradoxo da tendência ao suicído que nos faz pensar em como o suicida realiza o ato:
“tão imenso é o amor de si mesmo do ego (self-love) , que chegamos a reconhecer como sendo o estado primevo do qual provém a vida instintual, e tão vasta é a quantidade de libido narcisista que vemos liberada no medo surgido de uma ameaça à vida que não podemos conceber como esse ego consente em sua própria destruição.”, (Freud, 1917 p.257).
Mas no caso dos suicídas, o objeto é mais poderoso que o próprio ego. O ego, só pode se matar se como resultado do retorno da catexia objetal tratar-se como tal objeto — dirige a hostilidade objetal para si mesmo (podemos ver isso nas inúmeras cartas e bilhetes deixados por suicidas: “sou uma farsa, sou um fracassado, sou feio, sou um lixo, ninguém me ama, sou falido... não aguento mais continuar, a vida sem você é impossível...”).
Para o suicida em Freud, a perda, a desconsideração, o desprezo, o desapontamento, a humilhação, a aniquilação do amor e do respeito, a alteração do curso idealizado da vida, podem fazer surgir ambivalência entre amor e ódio. Se o amor pelo objeto perdido se refugia na identificação narcísica, o ódio pode entrar em ação ainda no objeto perdido. Esse ódio transforma-se numa “cola emocional” que dificulta o investimento nos novos objetos e a possibilidade de elaboração de lutos — do que foi perdido — e subsequentes novos investimentos objetais. O ego fica preso numa satisfação sádica cíclica, uma vitimização do ego porque o objeto é parte do ego, senão o próprio ego! Exemplo de ciclos sádicos: fui demitido por estar velho – estou velho para fazer outra coisa – o mercado não contrata mais pessoas velhas. E ainda reforçando a dinâmica objetal pelas palavras de Freud:
“Assim, a sombra do objeto caiu sobre o ego, e este pôde, daí por diante, ser julgado por um agente especial, como se fosse um objeto, o objeto abandonado”. (Freud 1917, p.255).
Já no texto O Ego e o Id (Freud, 1923), Freud volta ao suicídio onde o superego sobrecarregado de energia sádica colabora na auto-punição levando o ego ao suicídio ou ainda, o superego drena a catexia libidinal do ego, enfraquecendo-o até a aniquilação! Muitos dos ciclos viciosos auto-punitivos escutados na clínica, carregados de remorso e ódio para o self exemplificam o ataque do superego. É importante reparar que Freud em Luto e Melancolia aborda suicídio pelo vetor “amor-próprio danificado” e no Ego e o Id conecta o suicídio ao “ataque-interior aniquilatório” (minha inferência).
Suicídio como onda pelo mundo
O suicídio oferece um novo ponto de vista sobre “algo que não vai bem” e tem se espalhado como uma epidemia como efeito de estresse social e empobrecimento emocional. Além da epidemia de infelicidade mundialmente reconhecida! Faz alguns anos — em duas semanas consecutivas — dois alunos do ensino médio do Colégio Bandeirantes se mataram em época de provas e recebimento de notas. Pressão e frustração de objetivos estão lado-a-lado como fatores precipitativos. Quando adolescentes se matam, percebemos que “algo escapou” da visão dos pais, do colégio, dos amigos, dos não-amigos, da sociedade e portanto, o ato suicida não é mais um fenômeno marginal de uma psicopatologia isolada. A escola em desespero avisa à mídia que contratou um psicoterapeuta... apenas agora!
Em 1977 no Japão, 784 jovens se suicidaram — 13 eram crianças e deixaram a população sem a mínima ideia do que levou os jovens ao aniquilamento próprio. Inúmeros fatores precipitativos podem ter colaborado com essa onda nipônica de morte — vergonha, fracasso sob pressão, perda moral, bullying, adesão a pactos, são facilmente constatados nas culturas asiáticas e aqui também. Vale salientar que a priori a relação com a morte no xintoíso e budismo é muito diferente da ocidental e o suicídio passa por outras consequências num plano espiritual idealizado. Portanto as consequências dos atos e a própria PASSAGEM AO ATO são vistas de formas diferentes. Claro que não estamos aqui diante dos suicídios coletivos dos nativos da América Central e da América do Norte que ao se recusar à colonização, ao escravagismo, à nova religião, optavam pelo ato suicida individual ou coletivo.
Ainda no Japão, desde o começo do ano 2000, uma “variação do suicídio” tem sido praticada mas encaixa-se numa síndrome, numa condição. Em 2010, praticamente 700.000 homens com média de 30 anos decidiram cortar laços com o “excesso de realidade torturante” e viver isolados do mundo nos seus aposentos — estes homens são definidos como Hikikomori. São diferentes dos Herbs, que convivem socialmente, trabalham, mas abstêm-se de sexo e casamento e dos NEETs que apenas fugiram do mundo digital e das redes sociais. Essa pré-morte ritualística do Hikikomori é uma forma de se evitar os efeitos negativos do sofrimento, compulsões (ligadas a alimentação, sexo e compras), violência, carreirismo e humilhação no ambiente de trabalho. Para o Hikikomori, estar fora da rotina e das ameaças da vida diária signica retomar as “rédeas do próprio destino” — como uma passagem ao ato suicida — não existindo mais para o mundo exterior! Sob a análise sintomática psicanalítica, um Hikikomori:
fica 24 horas por dia em casa no quarto, lendo, sem internet, com ou sem TV, geralmente ouvindo músicas;
insistentemente evita e não participa de eventos com familiares e amigos;
apresenta evidente apatia e total falta de investimento egossintônico mas muitas vezes é exageradamente egodistônico;
pode ser acumulador(a) e ter dificuldade de se desfazer de objetos simples tais como embalagens;
não apresenta nenhum outro distúrbio mental predominante aparente tal como psicose e parece ser uma pessoa extremamente comum;
não tem nenhum animal de estimação;
vive com os pais provedores;
não consome fármacos psicotomiméticos;
tem trauma comum na escola, que gerou em algum momento o futoukou — a total falta de vontade de ir à escola.
está isolado desta forma por no mínimo 6 meses.
Taiwan, Singapura e Coréia-do Sul já tem seus Hikikomoris. Mas tanto no Japão quanto fora, a grande maioria são homens. Atualmente existem 1.55 milhão de Hikikomori no Japão vivendo numa espécie de proscenium do suicídio social.
Nessa onda, temos ainda um grande psicanalista francês, Christophe Dejours, que se destaca no estudo das armadilhas do trabalho, da frustração proveniente de investimento de energia psíquica e nas falsas expectativas nossas na “bolha empresarial” que resultam em sintomas tais como depressão, desânimo, apatia, ideação suicída e passagem ao ato mortal! Na edição de 26 de setembro de 2009, o jornal Le Monde coloca como matéria de capa o suicídio de empregados da France Telecom, um caso gritante de privatização canibalística, onde o prato principal eram os empregados da empresa. Quase dois terços dos funcionários eram servidores públicos e dentro de um plano empresarial chamado NEXT, os trabalhadores que em sua grande maioria tinham entre 40 e 50 anos de idade foram forçados a aceitar novos trabalhos em áreas e cidades diferentes. Quem ficou teve que optar em aceitar a nova meritocracia neoliberal, a falta de colaboração, prazos e trabalhos inconsistentes ao cargos e sobretudo a violência psicológica que obrigava os novos soldados da futura Telecom-Orange a se demitir! Durante o período de 2 anos de reestrutração com avaliações individuais, rivalidades, inveja, assédio, falta de companheirismo e uma atmosfera corporativa envenenadora, muitos se demitiram mas... 35 funcionários cometaram suicídio. E quando perde-se mão-de-obra na corporação o que acontece? Absolutamente nada... os sobreviventes voltam ao trabalho frustrados, impotentes e muitas vezes mais sobrecarregados pelas atividades do suicída! É o soldado corporativo carregando a mochila do abatido como um zumbi! Enquanto isso, em Shenzhen, na Foxconn, fábrica chinesa utilizada pela Apple para montagem de iPhones e iPads, são colocados 3 milhões de metros quadrados de redes de proteção à volta da fábrica para inibir suicídios. Em 2010, dezenas de operários tentaram suicídio, 18 conseguiram. Pouco tempo depois, os operários inibidos pela rede não mais se atiraram pelas janelas, nem se enforcaram ou muito menos atearam fogo aos seus corpos — decidiram tranformarem-se em homens-bomba, levando consigo partes das produções da Apple. Atualmente, a Foxconn tem um lema de trabalho – “O ATO É ERRADO, A VIDA É PRECIOSA”, incluindo a exinção de altas compensações financeiras aos familiares do suicída que não são previstas nas duras leis chinesas (de acordo com a agência de notícias chinesa, Xinhua, antes as famílias recebiam em media 100.000 Yuan ou aproximadamente 15.000 dólares norte-americanos como indenização). O fantasma da morte sem lucro financeiro para a família criou um exercito de zumbis chineses nas fábricas. A corporação venceu!
O suicida, na clínica
Minha grande preocupação ao explorar o escopo do assunto tem um grande significante conectado ao manejo do suicida sobrevivente e da ideação do ato na clínica. Partindo-se do histórico do analisando, aconselho o foco de atenção aos pontos na transferência onde os pensamentos suicidas têm sua gênese — onde podemos “sacar” a grande ferida narcísica conectada à auto-destruição.
Penso em HOLDING de Winnicott sempre… Grande parte do trabalho clínico de Winnicott conecta-se ao tratamento de paciente psicóticos. Mas temos pacientes com traumas primordiais que precisam de uma metabolização diferenciada com a possibilidade de fracasso parental na situação terapêutica, entre outros fracassos! Não estamos com um estrutura exclusivamente neurótica, histórica o perversa na clínica mas sim um falso-self predominante que produz uma couraça quase que impenatrável no inconsciente do analisando. Esse paciente precisa de uma regressão à dependência com a ressonância do analista, ele precisa de uma figura materna simbólica onde possa ‘reviver e reparar’ os traumas.
Concretizando o Holding, Winnicott achava lamentável o medo que analistas apresentavam de tocar os analisandos mas... quando fosse necessário, o ato deveria ser efetivado. E Holding vai além em pequenas vinhetas winnicottianas onde o analista abre a porta para o analisando antes dele tocar a campainha ou colocar leite e biscoitos no setting analítico como vetores permanentes de conforto. Claro que diante da ideação suicida estas atitudes são pequenas... ou tavez não. Precisa-se de mais!
Nesse Holding ampliado o analista é responsivo, empático e principalmente reparador e recebe a experiência do analisando no aguardo das manifestaçoes deste falso-self. O objetivo é ter o trauma relembrado, vivenciado e re-experimentado no ambiente analítico para sua reparação, promovendo processos de maturação. Esse conceito analítico de Holding é uma metáfora parental, executado por um personagem novo — o psicanalista entra com a função mãe revisitada. Simbólicamente, trabalhar na função materna é uma possibilidade de retrabalho de um trauma precoce numa regressão.
Acho muito interessante a forma que Winnicott mudou drásticamente o cenário clínico, levando o trabalho analítico longe do foco do conflito sexual e agressivo para o valor clínico da empatia responsiva num renascimento de função materna.
No Holding, a dependência é real e precisa ser atendida! É nesse momento, ao praticar o Holding, que o psicanalista pode até salvar uma vida e dos que estão próximos ao suicída e que precisam de tanto Holding quanto o analisando — já imaginando então a clínica da posvenção!