Um OPNI, “Objeto Psicanalítico Não Identificado” passou pela sessão?
Em setembro de 2017 fomos visitados ou passamos pelo Oumuamua, que acelerou pelo sistema solar. Pouco sabe-se sobre esse "objeto interestelar". Mas valeu-me uma reflexão!
Um dos livros mais legais do ano é o EXTRATERRESTRIAL, do Avi Loeb. Nele esse astrofísico nos faz largar a fantasia patética que somos as únicas criaturas inteligentes do universo e já nos avisa que provavelmenre nosso destino é a extinção antes mesmo de descobrirmos que não estamos sozinhos navegando pelo Universo. Mas o mais importante, e o cerne expeculativo desse livraço, é que Loeb coloca nas páginas da obra a sua controversa teoria de que nosso sistema solar foi visitado por tecnologia avançada alienígena proveniente do espaço interestelar — o Oumuamua.
Resumindo: em 2017, cientistas num observatório no Havaí tiveram a tremenda sorte de ver um objeto navegando por nosso sistema solar. A velocidade era tão alta, que com certeza veio de outro lugar (imagina-se que de Vega) e estava passando por aqui numa rota estranhamente mecânica! Avi Loeb mostra nas belas páginas do livro que;
1. não era um asteróide;
2. viajava rápido demais e numa órbita muito intrigante;
3. passou pelo Sol… e acelerou!
4. Não deixou rastro de gás ou gelo vaporizado como um cometa;
5. Passou por perto da Terra… e se foi para fora do nosso sistema solar. “To Boldly Go Where No Man Has Gone Before.”
6. ET Phone home? Quem me dera!
7. Poderia ser uma bóia estelar alienígena (espero que não tenha enviado mensagem para outra civilização dizendo que somos fracotes e tolinhos).
No livro, as implicações de uma certeza que fomos visitados por algo alienígena nos permitem reflexões pela religiosidade, política, conexões filóficas, sócio-econômicas, culturais e psicanalíticas — claro! As apostas do autor com o tempo serão metabolizadas em possibilidades de interpretação. E isso é uma delícia para praticantes da Psicanálise. Temos até um capítulo que trata de Astro-Arqueologia. Assim, esse livro torna-se uma espécie de documento expeculativo detalhado, fazendo a imaginação sair de órbita. Nos possibilita deslizar suavemente na “ambiance poética” de sermos arqueólogos do inconsciente enquanto Psicanalistas. Enfim, o livro é um proscenium de possibilidades e fica grudado no imaginário por dias…
Pensando na estranheza de Oumuamua (significa mensageiro em havaiano), seu formato estilo charuto ou disco (não se sabe ao certo) fiz um conexão muito forte com “Encontro com Rama”, do genial Arthur C. Clarke. Nesse outro livro, Clarke nos premiou com uma bela história: em 2077 um asteroide cai no continente europeu, resultando em milhares de mortes e destruição. Líderes mundiais decidem criar uma "Guarda Espacial" para detectar esses objetos a tempo e evitar que novas catástrofes aconteçam. Que aliás é uma excelente ideia! Quase 50 anos depois, um objeto gigantesco e de comportamento misterioso é descoberto. Este é batizado de Rama mas é quase um Oumuamua. Logo descobre-se que o suposto asteróide é na verdade uma enorme nave alienígena! Um cilindro gigante medindo cerca de 50 quilômetros de comprimento. Oumuamua parece ter 400 metros. Lembro-me de um Jornada nas Estrelas no cinema que usou esse tal cilindro espacial que se comunicava com baleias na Terra (Jornada nas Estrelas IV: A Volta para Casa).
Misturando medo e curiosidade, divididos entre os que pregam a defesa da Terra com um ataque alienígena provável e os mais cautelosos, um grupo formado por militares – claro - e cientistas é enviado para explorar o estranho e incrível artefato. Lá os nossos astronautas descobrem um mundo repleto de construções misteriosas entre restos de ecossistemas internos, salas e demais artefatos – pura Astro-Arqueologia! Daria um filmaço hoje em dia! Pena que nunca fizeram. No livro, Clarke descreve a nave como uma máquina gigantesca, habitada por outras máquinas insectóides. Não tem “aliens orgânicos” morando na nave. Que pena. Mas tudo é um pouco conectado com o que conhecemos em termos de objetos reais. Quem leu, entenderá. Não é bem aquela arte do ALIEN de H.R.Giger que inaugurou novas possibilidades de “estranheza” – o Das Unheimliche freudiano nas telas.
Essa coisa de encontro com aliens me fascina. Lembro-me de ter assistido ao filme “Contato” do Zemeckis em 1997 e fiquei “puto da vida” quando a Jodie Foster, depois da viagem pelos buracos de minhoca, encontra o extra-terrestre e ele está disfarçado de… pai… Sim, o alien recriou a imagem de quem ela mais amava pois parece-me que desejou evitar mostrar uma presença incompreensível! Saí do cinema meio que traído. Adoro esse filme e hoje em dia dou um grande valor para a audácia do Zemeckis para o final – era um momento lindo de elaboração de luto facilitado pelos aliens.
Mas meu caro leitor, você deve estar se perguntado o que isso tem a ver com Psicanálise. Respondo. Tudo, imagino eu!
Primeiro porquê Oumuamua é uma metáfora potente para a veemente insuportabilidade do desconhecido em nossa clínica. Quantas vezes não nos indagamos — “o que foi isso que rolou aqui com esse paciente?”. Corre-se para a supervisão individual ou em grupo!
Resolvo então apelidar estas emanações interpretativas de OPNIs – Objeto Psicanalítico Não Identificado. Pode ser sintoma de rompimento de laço social, pode ser elocubração… sejá lá o que escapar do setting. Pense nele. É um Oumuamua. Intreprete, sinta-se desfiado em sua curiosidade. Suporte e sustente o mistério e grandioso objeto transferêncial ululante!
Segundo porquê como afirmei acima, a obra nos faz pensar nas possibilidades de análise de algo estranho — olha o Das Unheimliche de novo… Loeb até faz alusão à famosa frase de Sherlock Holmes — “Uma vez eliminado o impossível, o que restar, não importa o quão improvável, deve ser a verdade.” Usem essa farse na clínica também. Surgiu um OPNI, pense nela! Não deixe sue escuta petrificada pelo tempo! O que você ainda não sabe e que rola na clínica vai muito além do que podemos perceber. Atenção aos OPNIs! E parafraseando Sherlock novamente quando dizia — “Você vê, mas não observa. A diferença é clara.”, arrisco complementar minha versão — “Você ouve, mas não escuta. A diferença é clara. Escute… com a alma!”.
“Existem tipos de sintomas, existe uma clínica”. A clínica só pode existir porque existem sintomas típicos que se repetem e se articulam em tipos clínicos decorrentes da estrutura. Nesse mesmo escrito, Lacan afirma “O que decorre da mesma estrutura não tem forçosamente o mesmo sentido. É por isso que só existe análise do particular. Não é de um sentido único, em absoluto, que provém uma mesma estrutura, sobretudo quando não quando ela atinge o discurso”. (LACAN, Jacques. “Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos. Em Outros Escritos. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor. 2003).
Surrupio estas passagens lacanianas, elaborando no âmbito do particular os Oumuamas ou OPNIs que brotam do analisando na sua jornada de livre associação!
Quantos OPNIs você já deixou passar pela sua escuta?